[1] já que estamos falando de descontinuidade, nada mais justo que a própria narrativa, por um princípio meta-linguístico, seja descontinua e marcada por várias digressões.

O caminho desta e das demais disciplinas durante a pandemia foi marcado por diversas "descontinuidades". Não das nossas aulas (estágio I) e do "ritmo" em si delas, das leituras e das atividades. Antes o contrário, foi justamente a "constância" delas, a justa medida das leituras, o andamento das atividades - estimulantes, pouco convencionais e desafiadoras (no sentido positivo da palavra) que fizeram o desenvolvimento da disciplina ser tão construtivo e proveitoso. Talvez não da mesma forma que tenha sido em outras vezes que foi ministrada esta disciplina(imagino), mas ainda assim proveitoso, um proveitoso diferente. Mas é justamente – acredito eu (e não só eu, não sou tão presunçosa de achar que é ideia minha, mas concordo com ela) – nas brechas do “possível”, do emergente (no sentido daquilo que “emerge”) que o processo de ensino aprendizagem se faz possível.

Mas retomando a questão da descontinuidade [1], acredito que ela seja uma marca própria desses tempos pandêmicos. Tempo de constantes incertezas, não saberes, descobertas que se afirmam um pouco por vez. A cada nova “resposta”, científica, comprovada, baseada não em desinformação, mas em evidências – porque somos dessas – novos reajustes. Antes era a tensão de esterilizar cada canto das compras ao voltar de um supermercado, hoje sabemos que o maior problema está no ar (com todas as paranoias que isso gera: no ar! E tem como viver sem respirar?), logo a nova arma são as máscaras pff2 e manter o distanciamento social. As mesmas máscaras que no início não deveríamos comprar e deixar somente para profissionais da área. Pensando bem, os reajustes não surgem só das decisões que tentam se basear pelas evidências e pelas quais nós (pessoas sensatas) orientamos nossa vida pessoal. As decisões desinformadas de nosso DesGoverno geram impactos – e como! – reais em nossas vidas. E nessa vamos tomando nossas contra-respostas. Adaptações, mudanças, reajustes constantes. É isso que tem nos pedido o tempo. Já que citei Maria Bethânia em uma das atividades da disciplina a retomo novamente aqui, pois postura demandada me faz lembrar de um dos versos de “Carta de Amor” que sempre me recordo na voz dela: é tempo de ser como a haste fina que se verga a cada brisa, só assim para a espada não cortar!









E na vida acadêmica não foi diferente. Primeiro a interrupção das aulas presenciais, algo que acreditávamos que duraria duas semanas. A realidade da espera em constante prorrogação, poucas respostas e a angústia que é própria desse não-saber. O semestre retoma, vem o ERE, defasado, o primeiro semestre cursado no segundo, as aulas no tempo das férias, as férias das aulas em meio ao ritmo acelerado da vida. E não é só o tempo que se mistura, que, ainda aproveitando a mesma música de Bethânia "não começa nem termina, é nunca, é sempre" .. o espaço também é esse lugar descontinuo, onde uma coisa começa onde termina a outra. Ou melhor, onde tudo é ao mesmo tempo. Casa, trabalho, escola, faculdade, estudo, descanso. Tudo se comprime, nos comprime e, porque não, oprime. É importante falar disso. Porque isso não está apenas em nós. Está em todes, em nossos alunos e alunas, nossos chefes, familiares, professores e companheires. E se por um lado cursar a disciplina do estágio em meio a uma pandemia, com todas essas inconstâncias é algo desafiador, não refletir sobre isso e como isso impacta a nossa prática, me parece ser perder uma grande oportunidade... Mas continuemos...


Esse prelúdio* se fez e se faz importante tanto para dar o "tom" de diversas das reflexões, relatos e registros que serão trazidos aqui. Mas é também uma espécie de explicação pelo formato diverso, pela dificuldade em se traçar um campo duradouro, em estabelecer uma frequência nas "notas". Se este relatório deveria ser uma descrição analítica das atividades previstas no plano de trabalho com um balanço do que foi cumprido, do que precisou ser reformulado, acredito que ficará evidente que muitas rotas precisaram ser alteradas, como não poderia deixar de ser...



Vivo de cara pra o vento na chuva e quero me molhar
O terço de Fátima e o cordão de Gandhi cruzam o meu peito
Sou como a haste fina que qualquer brisa verga
Mas nenhuma espada corta
Não mexe comigo que eu não ando só
Que eu não ando só, que eu não ando só
Não mexe, não
Prelúdio (s.m.)
Relatório Final da Disciplina "Análise da prática e estágio em Ciências Sociais I"
A professora da disciplina é a Graziele Ramos Schweig
A aluna é a Camila Sousa Ferreira
O supervisor do estágio foi o Lucas Coimbra
E as colegas de estágio foram a Rafaela Rodrigues, a Lorraine Ribeiro e a Luiza Falcão
palavras-chaves,
palavras-ideias,
palavras:
descontinuidade
ritmo
constância
notas
possível
As atividades previstas
1
2
A execução das atividades propostas seguiu o mesmo ritmo (ou talvez a inconstância dele) dos tempos. Os primeiros desafios encontrados já haviam sido relatados no Plano de Trabalho. Nosso primeiro Supervisor, passadas algumas semanas do contato preliminar, informou que não poderia nos orientar em virtude do acúmulo de tarefas que haviam se concentrado nele neste período. O professor em questão é muito ativo, atividade que podemos notar inclusive em sua participação no grupo da Licenciatura, cujo clipping das conversas havia me proposto a fazer, dentre as atividades planejadas. Em seguida, conseguimos que um outro professor supervisor nos acompanhasse: Professor Lucas Coimbra, que se mostrou muito aberto, solícito e atencioso com o nosso convite, conforme também mencionei no Plano de Trabalho previamente entregue. Um dos pontos positivos já relatados é que Lucas, ao contrário de vários outros professores que não estavam tendo contato direto com os alunos à época, estava dando aulas síncronas todas as semanas, o que se demonstrou um grande ponto positivo, pois seria uma das únicas chances que teríamos para ter um contato mais próximo com discentes, mas antes de entrar nos relatos referentes a esta atividade em específico, retomo brevemente o elenco das atividades que havia me proposto desenvolver. Posteriormente tratarei brevemente daquelas que cheguei a realizar e de outras que porventura não estavam listadas no plano de trabalho.

As aulas do professor Lucas na Escola Estadual Padre João Mattos de Almeida
Nos reunimos com o professor Lucas durante a aula da turma de estágio II para estabelecermos este contato inicial, numa quinta-feira, dia 17 de junho. Nossa primeira possibilidade de acompanhamento das aulas se deu então na semana do dia 20 ao dia 25, mas infelizmente estava envolvida nos Exames Finais da escola onde trabalho e não pude participar. Assim minha experiência se iniciou na semana seguinte, no dia 30 de junho, quarta-feira, dia em que era possível acompanhar três turmas nas quais o professor lecionava neste dia no turno da manhã(três turmas que, na realidade, eram seis, pois cada aula condensava sempre duas turmas). Pude acompanhar as quartas-feiras dos dias 30 e do dia 07. Contudo, na terça-feira dia 13/07 Lucas nos enviou uma mensagem informando que os professores haviam sido convocados para irem à escola planejar/organizar o provável retorno presencial em agosto e, por este motivo, as aulas do dia 14/07 teriam que ser desmarcadas. Na semana seguinte também não haveriam aulas, pois já seria a data do recesso. Assim, ficou combinado que Lucas nos manteria informados sobre o possível retorno presencial, tendo em vista que o retorno das atividades escolares estavam previstas para o dia 02/08. E assim aconteceu, com o retorno das aulas presenciais nossa participação acabou ficando prejudicada, o que resultou em uma experiência curta destas observações das aulas de Sociologia.

Assim, considerando que foram apenas duas semanas de observação (6 aulas),
me permitirei trazer um pouco mais dos detalhes que registrei durante estas aulas,
sem me preocupar tanto em condensá-los

[Será? O próprio processo de realização desse relatório, como tenho dito, tem sido descontinuo. Escrevo uma parte, escrevo outra. Retorno no que escrevi, escrevo mais, inverto a ordem. Agora já estou achando que escrevi demais em outras partes do relatório. Tentarei não me delongar demais aqui]
Sobre as descontinuidades e descompassos vividos na vida e no ERE e que, como dito, marcam também a vivência dessa nossa disciplina de estágio, gostaria de destacar dois processos que estavam vibrando em desafino: o da minha vida pessoal e o do estágio. Atuo também como professora, uma professora improvisada ou emergente, como defini em alguns momentos ao longo desse relatório, pois a matéria que leciono (o Direito) - e que é também minha primeira graduação - não possui licenciatura. Logo, dou aulas sendo apenas Bacharel. Acredito ser um traço importante que marca minha prática docente. Mas foquemos! Apenas mencionei isto, neste momento, pois estava falando do andamento, ligeiramente desafinado entre estas duas práticas: a de docente e de estagiária. Estava no final do meu ano letivo (seguimos o calendário boreal por lá, uma escola italiana, da rede privada, como é possível de imaginar), o que significa diários para serem fechados, provas para serem corrigidas, notas para serem lançadas, reuniões, conselhos de classe, mais diários e mais reuniões! Já mencionei os diários? É porque são vários! Tem o de notas, o de frequência, o de conteúdo e, agora, aquele onde lançamos as habilidades da BNCC trabalhadas em cada aula. Pois é, foi até interessante poder observar de perto (no grupo da licenciatura), como esses mesmos fantasmas assombram os/as outros/as professores/as. Mas de novo, foco (outra coisa que piorou muito nessa pandemia). Trouxe isso para demonstrar o que caracterizou certo desafio: dar conta das atividades propostas e do ritmo que andava puxado do outro lado. Mas esse desafino também deu música! E foi muito interessante pendular entre esses dois lados; essa observação participante ora de aluna, ora de estagiária, ora de professora. Espero conseguir trazer parte dessas reflexões neste relatório final. Então vamos lá, segue o elenco das atividades:

1 ENESEB

2 FILME

3 Diário de campo – professora

4 Clipping grupo de Whatsapp Licenciatura

5 Vídeos / podcasts

6 Leitura

7 Organização e sistematização do material produzido na semana (diário estágio)
1 - consegui participar, tive dificuldade de acompanhar o primeiro dia, mas depois deu para seguir... ao lado deixo registradas as notas de parte das reflexões das mesas que mais me afetaram
2 -ainda me perguntando o que eu quis dizer com esse filme. Imagino que tenha sido algum filme que foi citado ou pela professora Graziele ou por algumas das colegas de estágio em alguma das aulas, mas confesso que não encontrei o registro de qual fosse e tampouco assisti algum filme que estivesse dentro dos nossos propósitos
3- estes consegui manter. Alguns efetivamente registrados, outras reflexões guardadas na memória (infelizmente), mas retomadas à medida que ia elaborando esse relatório e ou realizando alguma das demais atividades onde notava uma clara relação entre elas e minha prática pessoal.
4- aqui também não consegui manter uma regularidade, mas no fim das contas há certa constância na inconstância, não é mesmo? acho que o próprio ritmo com o qual eu conseguia visitar o grupo (que era muito determinado pelo ritmo da minha jornada de trabalho, se esta andava mais ou menos pesada) acabou produzindo certo efeito. às vezes lia as conversas após um dia cansativo de tarefas burocráticas e era interessante notar que estes mesmos dilemas também estavam ali. ou então havia sido um dia em que tinha conseguido me dedicar mais às notícias e via o reflexo das contingências ali retratado.
5 - assisti a mais alguns vídeos da ABECS e re-escutei alguns episódios de um podcast que gosto da Folha, chamado "Folha na Sala" que ainda que não seja específico do Ensino da Sociologia, traz algumas reflexões interessantes e casos bem sucedidos que inspiram!
6 -como eu previa, praticamente não consegui ler outros materiais além do previsto na bibliografia de referência da disciplina. Retomei parte alguns capítulos já lidos de "A Pedagogia do Oprimido", de Paulo Freire
7 - chamei assim no Plano de Trabalho, mas tratava-se basicamente do diário de campo da experiência do estágio, uma vez que fazia as anotações de maneira rápida durante as aulas. tomei esse cuidado, pois me pareceu importante não ser lida como alguém que está ali para observar, julgar e tomar notas...
ENESEB
3
As atividades realizadas
Diário de campo - professora
3.3
3.2
3.1
3.4
Podcasts
Oficina palhaçaria - alunes estágio II
3
Apresentação da problemática de pesquisa
Como uma das atividades da disciplina resolvi retomar um sequência de podcasts que havia iniciado um pouco antes do semestre começar. Gosto muito desse formato, sempre fui uma pessoa que gosta de fazer duas coisas contemporaneamente. Na verdade, se estou fazendo alguma tarefa que me ocupa o corpo, muitas vezes isso potencializa o meu foco e me ajuda a concentrar mais em outras tarefas que demandam atenção. Quando nova. em sala de aula, por vezes gostava de desenhar enquanto o professor falava e, ao contrário do que os professores costumavam achar, isso não significava que eu não estivesse prestando atenção [logo, sou bem compreensiva com meus alunos desenhistas, rs]. Antes o contrário, estava super focada, ouvidos atentos, pois é como se meu corpo entrasse em um ritmo que se desconecta com o restante (um estado mais meditativo, talvez?). É uma situação semelhante a quando temos um barulho constante "de fundo" que, ao invés de nos atrapalhar, pode até embalar o nosso sono. É muito perceptível isso com bebês. Então para mim os podcasts se tornaram um pouco isso. Enquanto executo as tarefas da casa como lavar a louça, cozinhar, limpar a casa, meu corpo ocupado deixa minha mente extremamente livre para focar no que dizem aquelas vozes que me fazem companhia! Por motivos que talvez fiquem claros quando eu relatar minha problemática de pesquisa (na verdade imagino que já o sejam, pois estes já foram apresentados em sala), me pareceu oportuno dar uma ênfase nessa dimensão. Entender como se dá o aprendizado e as diferentes formas-metodologias que potencializam esse processo, tão singular muitas vezes, me parece um ponto central neste movimento de tentar entender o que faz uma boa professora um bom professor. Ou talvez, melhor do que isso, porque não imagino que o nosso objetivo tenha que ser isso, ser "bom", um ideal que talvez nem seja o nosso (essas reflexões também se conectam muito com as que foram feitas na oficina de palhaçaria, depois retomo esse link, no ponto "3.2"). Assim, ao invés de pensar em como ser uma boa ou um bom professor, acredito que seja interessante pensar em quais práticas podem potencializar o que nasce do encontro entre professore e alune. É encontro, é relação, é troca. Um das mais potentes diga-se de passagem. Acho que a pergunta talvez seja essa, a reflexão talvez tenha que ser por aí. O que contribui para tornar esse encontro potente?

Bom, e assim, acompanhada desses podcasts em minha rotina (é possível imaginar que se esses hábitos já me faziam uma grande companhia antes da pandemia, durante a pandemia se tornaram ainda mais importantes, se considerarmos esse cenário onde - por estarmos mais tempo em casa - cresce o volume de coisas que temos que fazer para essa casa funcionar, além de no meu caso, como de várias pessoas, ter estado sozinha na maior parte dos dias, durante esses últimos quase dois anos) fui me inspirando pela prática desses diversos professores e professoras que, com vários dos desafios que eu também encontro, foram achando saídas "possíveis". E, geralmente, é nas brechas do "possível" que surge algo grandioso, essa potência de que falei. Não do extraordinário ou do grandioso que nasce uma solução possível. É justamente o oposto. Muitas vezes são soluções com os recursos disponíveis (muitas vezes escassos), mas com a intencionalidade de quem dedica a energia ao problema que deve ser enfrentado. Na verdade, talvez a principal questão seja essa, encontrar o problema, identificá-lo e depois disso ficar digerindo, processando e elaborando isso, dias e dias. Mas, muitas vezes, o mais comum é passar por essas questões e ignorar esse grande elefante que está ali, sentado no meio da sala (quando escrever sobre os meus diários enquanto professora falarei um pouco disso). Relato apenas alguns dos títulos que cheguei a ouvir. Ah, talvez tenha começado pelo final, mas este Podcast, Folha na Sala, é um podcast como a própria folha define "para professores", abordando "os desafios de quem leciona, trazendo sempre experiências próprias das escolas e a opinião de especialistas da área".

Episódios que eu ouvi e que, pelos títulos, acredito seja possível perceber um pouco sobre eles:
Como duas escolas públicas superaram a indisciplina e a violência; Professores que encaram as fake news (e por que devemos evitar esse termo); Debatendo diversidade sexual em tempos de "ideologia de gênero"; Inclusão escolar. As salas de recursos que funcionam na prática; Educadores premiados. A professora que enfrentou chacinas; As escolas brasileiras recebem bem os imigrantes?; Como alunos da melhor escola estadual encaram o Enem; Celular na sala. Como brigar pela atenção dos alunos; O que os alunos das escolas públicas querem; Grandes Educadores - Ep.6 Como Paulo Freire se tornou ícone e o que há dele na educação hoje; É seguro retornar às escolas antes de uma vacina; O que aprendemos após cinco meses de escolas fechadas?.

Inclusive, acabo de ver que o último episódio da atual temporada se chama "O que é um bom professor?". Bem na direção da reflexão feita. Assim que terminar este relatório e os dois textos que ainda estou devendo irei escutá-lo!
,Acho interessante relatar aqui e experiência dessa oficina da qual participei, organizada por alunes do Estágio II. Achei muito rica justamente por parte das reflexões que fiz no ponto anterior. Não sei se irei lembrar de todas as etapas da oficina, pois desta não tomei registro durante a feitura, mas irei direto aos pontos muito interessantes que achei que foram trabalhados nela. Na verdade, tenho sim um registro, que é a máscara produzida na oficina. Mas - como tudo que é feito esgotando os últimos minutos - não encontrei para "destrinchá-la" aqui de maneira mais detalhada. Bom, como o próprio nome sugere, foi uma oficina que valeu-se de práticas de palhaçaria. Começamos com uma apresentação da aluna Ana Clara - muito bonita, recitava uns versos feito por ela, se não me engano, enquanto se maquiava de palhaça - seguida de algumas dinâmicas quebra-gelo. Nos foi explicado em seguida como a/o palhaça/o na escolha de seu nome e desenvolvimento de sua personagem, elege as suas características pessoais que talvez as/os deixam desconfortáveis e, ao invés de enxergarem essas dimensões da própria personalidade como uma dimensão limitadora, escolhem rir-se delas! Achei isso tão genial. Não se trata, portanto, de um simples querer "negar" ou "ficar livres" daquilo que existe em nós. Ou mesmo de ignorar e não perceber que aquele traço, que é nosso e está ali. Mas é, primeiro, olhar para dentro, se perceber. Enxergar o que está ali em você e observar quais dessas coisas te agradam e quais outras te deixam desconfortáveis. E, uma vez identificadas, é permitir deixar-se rir daquilo que, apesar de nossos esforços, não conseguimos mudar. Se não consigo mudar, eu consigo ao menos lidar com essa coisa de maneira diferente? Talvez usá-la a meu favor? Acho que é um pouco sobre isso e, a partir disso, que essa dinâmica da máscara se constituiu. Como disse, não irei me lembrar dos comandos precisos, mas lembro-me que deveríamos construir a nossa própria máscara e, de um lado acrescentávamos dimensões positivas daquilo que talvez pairava na cabeça sobre o que imaginávamos ser um bom professor, uma boa professora. Do outro lado nossos medos, nossas inseguranças. De certa maneira, algo que passa muito por essa dimensão do real e do ideal. Esse momento em si já foi super interessante. Elaborar e nomear o que nos assombra já é um modo de enfrentar essas questões. Mas talvez o que mais tenha me chamado a atenção - na minha máscara em particular - é que as características apresentadas como aquelas que pairam no consciente coletivo como sendo de um professor "bom", "respeitado/vel", não necessariamente são imagens das quais compartilho, mas - ainda assim - me assombram. É aquela ideia "será que o fato de os alunos verbalizarem que gostam muito da minha aula, que aprendem comigo, que na minha aula podem conversar", significa "que eles realmente me respeitam, estão aprendendo, ou que me deslocaram para posição de professora gente-boa, mas que simplifica demais a matéria e que não merece tanto a atenção do nosso estudo". Bom, várias escolhas feitas na elaboração dessas frases dariam uma bela análise! Mas acho que vale à pena deixar essas reflexões em aberto para serem retomadas depois (e sempre). O segundo momento foi o de partilhar o resultado das máscaras e as percepções individuais de cada um. O que chamou atenção e que coloquei em minha fala, é ver como várias das angústias são comuns a todos e todas nós. Perceber que todes temos limitações e que, ainda assim, está tudo bem! A gente se faz professor é na prática, como os nossos medos, nossas angústias, nossas limitações. Mas nas nossas brechas do possível vamos nos inventando e nos construindo enquanto tais. E é justamente nesse sentido que os podcasts também me impactaram. Escuto histórias inspiradoras. O que elas têm em comum? Relatos de professores que se recusaram a ligar o modo "piloto automático". Mas isso é tão difícil... em meio a mil correções, diários, o ritmo puxado, as jornadas de trabalho que não possuem hora para acabar. Sinto tudo tão "inconstante" tem horas. E, como eu disse dos barulhos que são constantes e ajudam a acalmar: como descansar na inconstância? Parece que tudo te empurra para você ligar o piloto automático, não se importar tanto. Não tentar mudar as coisas, afinal, "senão você não vive". É comum ouvir isso.... Acho que talvez já seja o caso de passar para os meus registros pessoais enquanto professora e tentar ver como isso tudo se conecta!
Fragmentos pinçados dos diários de campo de uma professora por improviso (bacharel em outra área, licencianda em Ciências Sociais em formação). Foi este o título que dei para esta parte do relatório no rascunho que havia feito no word. Aqui achei que ficou muito grande e que esteticamente não fosse ficar legal. Mas gostei de me pensar enquanto em uma professora por improviso. Acho que traz muito da dinâmica de palhaçaria que citei anteriormente. Em outros momentos - muito recentes - da minha vida (na verdade, acho que a sombra sempre paira) pensar em um professor improvisado [putz, acaba de vir à tona uma memória aqui com essa palavra e no contexto da vivência de professora, já, já conto!] seria justamente algo que eu tentaria evitar, uma imagem à qual não gostaria de estar associada. Mas mais recentemente (talvez fruto dessa nossa disciplina) tenho refletido muito sobre essa dimensão do improviso. Admiramos os artistas que sabem improvisar, aqueles de pensamento rápido que quase como mágica conseguem transformar a realidade em verso - e sob pressão! É o que acontece nos duelos de MC's, com os repentistas. É genialidade pura e isso, acredito, não há quem conteste (mentira, há sim, como é possível notar, os próprios exemplos que dei são próprios de uma cultura dita popular, constantemente diminuída e subvalorizada, mas por ora deixo essas questões suspensas)! Mas o que é apreciado em alguns contextos, traço de criatividade e agilidade mental, é tido como despreparo em outros - a academia é um desses lugares. E aqui estamos, nos preparando para aprender a saber o que fazer, como agir e como responder às diversas situações que podem se apresentar diante de nós quando iniciarmos a nossa prática docente. É ou não é algo que, só de pensar, gera ansiedade? Nesse ponto me considero privilegiada e, aqui, retomo um pouco da minha história. Formei em Direito, achava que teria um norte dentro do meio jurídico, que poderia ser defensora pública, advogada popular ou outras áreas que, apesar da hermeticidade do direito, me permitissem ao menos atuar com questões que me são caras e, acima de tudo, trabalhar com pessoas e não com textos, conceitos decorados, artigos memorizados e: prazos (para não mencionar o teatro e o excesso de formalismos nos tratamentos interpessoais, detesto!). Fui monitora de Sociologia e Sociologia Jurídica durante a Faculdade. Amava isso. Tinha facilidade para aprender e, acima de tudo, para explicar. Gostava de inventar exemplos, criar esquemas, várias táticas para tornar alguns temas bem densos em algo palatável para os meus "calouros" que iam procurar a monitoria. Mas se eu acreditava que teria um caminho no direito, o que ocorreu após formada foi uma clássica crise existencial [uma informação talvez relevante é que quando cursava o último período do direito iniciei o primeiro período das Sociais, a jornada tripla que parece que nunca me largou: faculdade 1, estágio, faculdade 2]. No meio da crise veio um telefonema, um convite para lecionar direito na escola onde estudei. Lá eles também possuem um curso técnico onde direito era uma das matérias. A professora titular tinha decidido ir fazer mestrado fora do país por dois anos e estavam precisando de uma substituta [ah, já tinha trabalhado como monitora nessa escola também. Ajudava os alunos do Fundamental I com o para-casa]. É uma escola ítalo-brasileira, então acaba que a busca por profissionais é sempre limitada, pois possuem o dificultador da língua. Para nós, ex-alunos da escola e que falamos italiano, acaba sendo uma oportunidade de emprego (vários ex-alunos hoje trabalham lá).
Bom, eu aceitei, fiz a entrevista e as surpresas e desafios já começaram desde então. A disciplina não era apenas direito, era direito italiano (algo que nunca havia estudado), além disso não era só "direito", era direito e "economia política" e eu não era - não sou - formada em economia. As aulas começavam daí a poucas semanas. Se eu tinha 26 anos, alguns de meus alunos já tinham 20 e eu tinha que ser uma "especialista" em 'direito italiano' e 'economia política'. Eram quatro séries (na Itália são 5 anos de Ensino Médio, no Brasil são 3, lá então era um meio termo entre os dois). Então eu possuía 2 turmas de 1º ano (com 4 horários por semana cada); 2 turmas de 2º ano (com 3 horários com semana cada); 1 turma de 3º ano (três horários semanais) e 1 turma de 4º ano (4 horários semanais). Ou seja, 21 horas semanais em sala de aula e todas as outras horas da semana (inclusive muitas das quais deveriam ser dedicadas ao tempo de sono) eram dedicadas a aprender os conteúdos que deveria ensinar, bem como para preparar as aulas desses conteúdos (e ainda estava frequentando as Sociais nesse período). Foi estressante, cansativo e dava uma baita ansiedade. Mas quando olho as aulas que preparava, vejo a as dinâmicas que inventava, as minhas metodologias de correção de prova (cada uma valorizando uma competência diferente), os recursos que criei, ainda me surpreendo! Eram coisas muito boas! Ouso dizer que minhas aulas àquela época eram ainda mais envolventes que as de hoje (e isso tem a ver com a questão do piloto-automático que mencionei e de outras questões que mencionarei mais à frente). Mas ainda assim havia a sombra. Vários ali eram professores há anos, licenciados ou no contexto italiano "habilitados" ou "ministeriais" (uma categoria de professores italianos com praticamente super-poderes, são concursados por aquele que seria o correspondente italiano do ministério da educação, enfim, a mais "alta-patente" dos professores italianos). Eu não tinha nem mestrado, nem doutorado e nunca tinha feito uma matéria de didática sequer. Mas os retornos que eu tinha eram sempre ótimos. Alunos e alunas envolvidos e engajados, além de outras respostas positivas que se pode ter, como as inúmeras mensagens que sempre recebo/recebi deles depois que se formam, agradecendo por tudo que aprenderam (geralmente vem sempre acompanhado de um "mais que a própria matéria, aprendi coisas pra vida, obrigada fessora"). Mas não vou me alongar nesse ponto. Quero retomar a questão do improviso e é justamente nesse sentido o que disse de "me considerar privilegiada". Por ter começado minha prática sem tantas pré-concepções, não sabia o que enfrentaria, o quê e/como deveria fazer. Aliás, várias coisas eu sabia, pois tinha tido a melhor aula que se pode ter para ser professora: ser aluna. [Quando cursei a disciplina de didática tive uma experiência positiva - dentre as várias ruins - de trocar cartas com uma professora da pós que estava se preparando para entrar em sala de aula. Ela me escreveu sobre várias de suas angústias e inquietações. Se seria "uma boa professora", se "daria conta do recado", o que "os alunos e alunas achariam dela". Lembro de dizer isso a ela. Que ela refletisse sobre quais eram os professores que mais marcaram a experiência dela e o que eles tinham em comum. Falei da importância em se estabelecer uma conexão com a turma, de colocar paixão e intenção no que se faz dentre outras coisas. Mas o ponto central era esse: ser professor, ao contrário de boa parte das outras profissões, é necessariamente entrar em um campo onde já se é "especialista". Já fomos todes destinatáries desse serviço. Nosso eu criança/adolescente, sabe muito bem o que funciona, o que não funciona. O que é razoável, o que é pedir demais. O que é o bom senso nessa história]. E foi assim, a partir daquilo que ia emergindo do meu encontro diário com meus alunos e alunas, das perguntas deles, das estratégias que ia desenvolvendo para lidar com cada turma (pois cada uma delas é diferente, possui uma dinâmica própria) e com cada alune que minha prática docente foi se formando, ou melhor, que fui me formando professora. Aprendi sendo, fazendo, praticando. No meu caso não aprendi me preparando. Estou me preparando agora que já sou e isso é de uma riqueza extrema!!

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Para mim ser professora é sair de sala sempre pensando. Nossa, como eu poderia ter feito um exemplo melhor? Será que aquilo que eu disse acessou minhas alunas e alunos? Vi que aquele aluno não prestou atenção, como será que eu consigo envolvê-lo da próxima vez? Vi aquela aluna torcendo o nariz quando o colega falou aquilo, o que será que existe nessa relação, será que de alguma maneira ela tem se sentido sem voz no contexto da sala de aula? Hoje aquela aluna está triste, vou perguntar para a orientadora escolar para saber se ela sabe o que pode ser...também posso perguntar para a amiga dela, com quem tenho abertura. Enfim, poderia listar mil reflexões. Para mim sempre foi assim. Um fazer, uma prática fruto de constante reflexão que vai se construindo dia-a-dia - e que como é possível perceber dos exemplos que dei, nem sempre parte do que foi dito, mas do que não foi dito e, ainda assim, percebido no contexto da sala de aula. Nunca fiz um diário dessas coisas, então agora, que me pego tendo que registrar, vejo que o que eu fazia era, em certa medida, bem parecido com o que tenho feito agora: uma tentativa de elaborar o que me chamou atenção na aula do dia. Mas vejo o quanto é algo rico manter esses registros e que é algo que eu deveria incorporar dentre os meus rituais.
Retomando essa questão das percepções que temos e que tentamos elaborar após cada aula, este tem sido talvez um dos maiores desafios em nossas aulas "virtuais" síncronas [lá na escola começamos esse processo de ensino pós fechamento deixando algumas atividades para os alunos e alunas, depois passamos a produzir videoaulas assínronas e, pouco a pouco, estas começaram a se intercalar com as aulas síncronas, via Zoom. Durante o ano escolar que foi de setembro de 2020 a junho de 2021 (como mencionei segue-se o calendário boreal) as aulas assíncronas eram raras, aconteciam apenas aos sábados. Apenas uns professores de algumas disciplinas específicas tinham que gravar aulas durante a semana (eram sempre as mesmas e todos os dias os alunos deveriam assistir, além das aulas síncronas, uma aula assíncrona por dia que ou era de matemática, inglês, ed.física, religião ou italiano). Eu, portanto, estava exonerada da tarefa e tinha apenas aulas síncronas via Zoom]. Antes da pandemia eu estava acostumada a escutar não apenas as falas dos meus alunos e alunas, mas também aquilo que não diziam, via não somente o que me apresentavam, mas também aquilo que eles demonstravam quando não viam que eu estava olhando. Tudo isso para mim é "estar presente" na sala de aula. É ser professora. Em base a isso ajustava minhas condutas, percebia pela expressão facial deles e delas se algo estava claro ou não. Se estavam cansados, se precisava desacelerar ou se podia prosseguir. As video conferências eram/são, portanto (como costumo dizer para eles/elas), o equivalente a perder vários dos meus sentidos. Não conseguia mais ver e ouvir tão bem como antes e estas duas dimensões eram muito importantes para mim no intuito de ser uma boa professora (uma reflexão que também gostaria de desenvolver futuramente, pois há outras formas de se perceber e se sentir as coisas, sei que nós pessoas sem deficiência, somos muito centrados nesses dois sentidos, mas essa reflexão fica para depois). Mas até com isso fomos nos acostumando. Com o tempo, esse meu comentário, que servia quase como uma súplica para ligarem a câmera, parou de ser feito. Às vezes um comentário ou outro, mas sei que é chato quando a gente insiste, só afasta mais. A câmera de modo geral parei de pedir para que ligassem, no máximo um "que bom te ver" quando alguém ligava. Mesmo assim sem enfatizar demais, sob o risco de se parecer aquela famosa "psicologia infantil". Que é chata demais, é infantilizá-los [e como fazemos isso. Recentemente a escola contratou uma consultoria para nos auxiliar com a transição/adaptação para o novo Ensino Médio. Uma das palestrantes fazia uso constante desses recursos "alguém pode me dar um exemplo disso?", "muito bem fulano!", só faltava dizer "vamos dar uma estrelinha para ele, que gracinha". Bem insuportável, somando isso ao tom de voz, parecia que ela estava falando com crianças de 3 anos - e olhe lá]. Nesse sentido, foi interessante poder observar nas aulas do Lucas como ele lida com isso. Vi que era de um jeito bem próximo às minhas resoluções/práticas após mais de um ano de EAD (lá na escola chamamos assim com frequência, ainda que não seja um verdadeiro ensino à distância. Mas sei lá, linguagem comum que se popularizou).

...


Ao estar ocupando esses vários lugares, de estagiária, de professora, de aluna, tenho a oportunidade de observar e visitar sob diversas perspectivas várias das coisas que me incomodam. Hoje vou trazer um deles que é como professoras e professores - meus colegas - lidam com determinadas situações. Ou melhor, não lidam. [Tem a ver com essa questão do piloto automático que eu disse, com ignorar o grande elefante sentado no meio da sala de aula. E a sensação que eu tenho é que a cada aula que é ignorado ele cresce e cresce mais]. Vejo colegas ditas/ditos progressistas, o tipo de gente com a qual sairia (e saía às vezes) para tomar uma cerveja, gente vinda da filosofia, da antropologia, reproduzindo cada prática que me dá vontade de chorar! Antes disso cito as incoerências de todes em geral, e destaco que muitas dessas reflexões e inquietações que vou trazer aqui saem do lugar dos "Conselhos de Classe" - que sempre observei e observo com olhar atento. É o famoso (e trágico) show de horrores. O diretor fala, enquanto uma enorme parte dos professores e professoras estão absortos em tarefas várias: aproveitam para completar os diários, mexem no celular, conversam com o colega. Segundos depois chega a vez de falar de seus alunes e começa a lamentação: fulano não larga do celular, ciclano tá sempre distraído ou fazendo algo em minhas aulas. Não se nota a incoerência dos discursos. Retomando à questão dos colegas progressistas (acho que estou citando estes em específico justamente pela incoerência entre o discurso e a prática - léguas distante de ser algo libertador. Aliás às vezes é a professora reacionária que está propondo debates, escutando os alunos e alunas e dando um sentido diferente à sala de aula) vejo o quanto se lamentam destes ou daqueles alunos. Geralmente são os que dizem aquilo que elas gostariam que dissessem, têm um comportamento menos passivo e mais desafiador, indisciplinado, digamos [acho que essa palavra pode ser boa, fico pensando na disciplina dos corpos. Quando eu era aluna da escola lembro dessa imagem, tínhamos todes que levantar quando algum professor/a ou convidado/a entravam em sala, em sinal de respeito. Uma prática comum da Itália. Será que era mesmo respeito?]. Eu sou curiosa (não sei se essa é a palavra). Gosto de saber o que se passar com os alunos e alunas. A maior parte deles estuda lá desde pequeno, então não é difícil de saber disso. Tenho uma grande amiga que é professora do Fundamental I e me conta várias das histórias pessoais de nossos alunos. Elas e eles próprios costumam se abrir comigo. O que às vezes é delicado, pois costumam recorrer à mim quando situações, por vezes pessoais, bem tensas costumam acontecer com eles e seus colegas. E o que me chama a atenção é que os alunos e alunas amadas por esses professores e professoras são sempre os mesmos. Filhos e filhas de famílias mais ou menos estruturadas. Um puta capital cultural [não consigo não pensar em Bourdieu toda vez que reflito sobre isso]. Reproduzem com perfeição aquilo que é dito e explicado em sala de aula. Às vezes algum aluno ou aluno foge da regra, é mais irreverente, menos "disciplinado" e estudioso e ainda assim é valorizado por esses colegas, mas isso só acontece em um caso: o aluno ou aluna de esquerda. Se um aluno é irreverente, indisciplinado e é mais reacionário a paciência vai rapidamente para o buraco. Um movimento bem narcísico, não é mesmo? Ou você é todo ouvidos para o que digo, anota e presta atenção em tudo para não prova ou na arguição reproduzir tal e qual eu falei, ou então você pode até não ser o/a melhor aluna/o, mas tem que pensar como eu! E me pergunto: cadê a imaginação-sociológica que supostamente ensinamos? Ela não vale na direção do aluno ou da aluna? Conheço quem são os familiares da minha aluna, do meu aluno? Sei os desafios que tem enfrentado, como foi o percurso escolar dele até aqui? Como era rotulado nesta mesma escola (sim os rótulos existem e nós precisamos assumir nossa responsabilidade nessa história, pois acabamos sendo por responsáveis por reproduzi-los e reforça-los)? Sei como é a interação da classe com esta ou este alune quando bate o sinal e eu saio da sala? Se a resposta para a maioria dessas perguntas é "não", então eu acredito que tem algo muito errado com a nossa prática docente, pois estas dimensões impactam diretamente no processo de aprendizado de cada discente. E se não nos preocuparmos com isso então a nossa é uma educação bancária, conteudista, logo pouco emancipadora.

[Sim eu entendo que infelizmente é muito que recai sobre nós professores e professoras. Nos é demandado sermos, sob certos aspectos, sermos um pouco psicólogos, professores e uma série de outras habilidades para as quais não necessariamente fomos capacitados. Além disso a pouca valorização dos professores faz com que a maioria de nós tenha que assumir um volume de trabalho que inviabilizar intervenções como as que tenho sinalizado. Mas não é deste contexto que falo. Falo do contexto de uma escola de classe alta, onde os professores são muito melhores remunerados do que o restante da categoria, falo de uma escola com recursos materiais, salas de aulas bem preparadas e equipadas, um direção aberta e que respeita a autonomia dos professores. Dificilmente as situações seriam mais favoráveis do que esta (há sempre o que ser melhorado, claro, ainda é uma profissão desvalorizada no país como um todos, então é óbvio os reflexos disto também são sentidos em certa medida aqui). E, dentro deste contexto já mais favorecido e favorável, acredito que o nosso desafio resida justamente aqui, nos mais indisciplinados e naqueles cujos pensamentos sejam mais desafiadores. Sinto que é ou uma coisa ou outra, você pode me desafiar no pensamento, mas tem que ser ao menos comportado. Ou então você até é bagunceiro, mas pensa como eu... aí eu te acho até mais legal que os anteriores, pois você é irreverente e gosto disso. Mas se você me desafia no pensamento - digo, pensa diferente de mim - e além disso não é comportado, aí é demais. E eu direi: "mas não é questão disso, eu não ligo se ele pensa diferente de mim, o problema é que ele não tem respeito. Não tem respeito por mim e nem pelos colegas". Ah, é? E porque isso acontece, já procurou saber?]

...

Tinha algumas outras reflexões ligadas à anterior que estavam no rascunho do word desse relatório final, mas acredito que a coisa esteja ficando longa demais. Vou tentar fechar o ciclo por aqui com o episódio que disse iria mencionar e que retoma essa ideia de professora do improviso, do emergente.

Lá na escola, quando formam, como institui a lei italiana, os alunos e alunas passam pelo chamado "Exame de Estado". E acredito que seja no sentido de Estado mesmo, pois é um processo conduzido pelo próprio ministério italiano, como eu já citei. Um série de provas, algumas orais outras escritas, que têm por objetivo ser esta conclusão do Ensino Médio. Quase como se fosse o nosso ENEM. O MEC deles é o MIUR (Ministero dell'istruzione, dell'università e ricerca - Ministério da instrução (educação), universidade e pesquisa). Geralmente é composto por três dias. No primeiro os estudantes realizam uma prova de aproximadamente 4 horas que consiste em uma redação, uma espécie de ensaio, em italiano (a prova é feita pelo dito ministério. A mesma prova é entregue ao mesmo tempo para todas as escolas do exterior que encontram-se dentro de um fuso-horário próximo). No dia seguinte a "segunda prova" (chama mesmo assim, a outra era a primeira prova), é também uma prova escrita elaborada pelo ministério, mas desta vez sobre as matérias "de endereço" do curso. Como leciono em um Liceu de Ciências Humanas as matérias são a minha, Direito e Economia Política, e a de Ciências Humanas (uma mistura do conteúdo de Psicologia + Metodologia + Sociologia + Antropologia). Por fim, a última etapa consiste em um banca. Esta é formada por um presidente de comissão (que será aquele professor de alta patente que mencionei, o professor "ministerial") geralmente vindo do exterior (geralmente ele não pode ser nenhum dos professores ministeriais que porventura a escola possua em seu corpo docente); três professores internos (da própria escola); três professores externos (vindo de escolas italianas no geral fora do Brasil, seja da própria Itália ou de outros países). E assim, com essa banca hetorogenea os alunos tanto apresentam um tema que preparam (não entrarei nesses detalhes neste momento), quanto são arguidos pelos diversos assuntos das matérias desses seis professores (dentre os temas vistos no último ano do Ensino Médio). Não preciso dizer que é um processo bem desgastante tanto para os alunos e alunas quanto para os professores que compõem a banca. Para os alunos todo stress e toda tensão. Para nós há também a tensão - muita burocracia e formalidades a serem seguidas - como o cansaço pelo volume de trabalho, muitas provas a serem corrigidas em um curto período, além de serem geralmente 6 apresentações para as bancas por dia.
Durante a pandemia, por motivos óbvios a banca não pode ser presencial e, além do "Exame" acontecer de maneira virtual, a comissão foi toda interna. O presidente da banca foi o próprio diretor da escola, um italiano (que chegou até a ser meu professor), uma pessoa bem diplomática, que considero bem justa e que nos dá bastante autonomia enquanto professores; além de quatro outros italianos (um deles é o nosso coordenador e o outro era o único professor ministerial que possuímos no momento, esse de alta-patente que mencionei). A outra brasileira além de mim era a professora de inglês, que é uma amiga. Outra particularidade é que, esse ano, não teríamos as provas escritas (já em junho/julho de 2020 havia sido assim, o Exame deste ano jun/jul 2021 repetiu os moldes do anterior). Os alunos tiveram que realizar um "elaborato", uma espécie de Ensaio de aproximadamente 10 páginas orientado por mim e pela professora de Ciências Humanas. Um trabalho do cão, 31 alunos escrevendo em um formato que era novo, prazo apertado (tudo foi concentrado em abril, maio e comecinho de junho), orientar, corrigir, revisar, enfim. Além disso tudo acontecia na ocasião dessa prova oral, era ali que apresentavam a o trabalho que havia feito e que eram arguidos sobre as matérias dos demais professores. Destaco que, apesar do árduo trabalho, dos dias que iam das 6h da manhã até às 23h da noite nenhum de meus colegas chega a ler o Ensaio. O peso maior é no momento das arguições (algo que me questiono bastante, mas enfim). É entre a banca de um e outro aluno que discutimos sobre nossas impressões e já fechamos a nota do aluno ou da aluna. Como também é possível imaginar, nem sempre essas discussões se dão de maneira harmônica e tranquila, sobretudo se pensarmos numa banca bem "latina" (não no sentido de américa-latina, mas da origem latina em si dessa própria américa latina) 4 italianes x 2 brasileiras. Fala-se alto, tem muito atropelo e eles (o masculino é proposital nesse caso) muitas vezes costumam "sair na cabeça". Na mesma velocidade que isso acontece também faz-se as pazes. E em muita dessas discussões, muito acaloradas, esse professor alta-patente disse que éramos professores improvisados. "Você está dizendo que somos uma escola de professores improvisados?", "Sim, estou sim". A discussão surgiu em um momento onde cada um sentiu seu projeto didático acusado. Um achando o outro muito complacente. Esse outro acusa aquele de ser vingativo com os alunos. Este aquele incomodado por ser acusado de vingativo justifica que ele, ao contrário de muitos, tinha estudado didática e que era importante que os alunes tivessem consequências negativas para suas condutas negativas, sob pena de não aprenderem", o outro responde que os cursos são feitos 'por' e 'para' professores que nunca pisaram em sala de aula, 'que a realidade em sala de aula é outra' [para contextualizar retomo o que havia dito anteriormente. Não tenho plena propriedade para dizer, mas do que compreendo da realidade italiana, a preparação deles para a docência passar por uma habilitação, que não consiste apenas em uma licenciatura, mas um próprio concurso para se poder lecionar pelo Estado. Em teoria esse processo é exigido, ao mesmo tempo que é extremamente dificultado. As provas não são frequentes, não é um sistema tão bem estruturado e até aqueles que buscam obtê-la por vezes encontram dificuldades. É o que escuto de muitos italianos. A realidade já é difícil para os italianos residentes na Itália e, apesar do país reconhecer diversas escolas italianas ao redor do mundo (chamadas de escolas paritárias, uma escola privada que preenche todos os requisitos e padrões de excelência de uma escola pública, digamos) não possui nenhum processo diferente que facilite a obtenção desta habilitação para os italianos residentes no exterior. Enfim, complexo! E este professor era mais que um professor habilitado, ele era um professor ministerial como eu disse, patamar ainda mais alto na hierarquia docente italiana, os outros acredito que sequer possuíssem a tal habilitação. Claro que o comentário doeu na ferida. Além disso falou da escola como um todo e o diretor da escola, alguém super diplomático e que prima pela a excelência do colégio estava na banca. Mas palavras não tinham o peso que se pretendia. No intervalo seguinte pediram-se desculpas, ambas as parte haviam se exaltado e disseram o que não gostariam. Tudo normal pra esse encontro de gênios fortes (claro que o susto demorou mais a passar para mim e minha amiga brasileira, que desviamos melhor de um debate acalorado). Mas a reflexão ficou, aliás... não sabia que tinha ficado até começar a redigir essa questão do improviso [esta parte não estava contemplada nos diários e nem no rascunho do word utilizado para preparar esta página. Mas como tudo que marca, ficou na memória!]

Improvisado X certificado
A re-ação X a ação pre-parada
A experiência X o diploma
O fazer X o saber
A sala de aula X a aula de didática
PRÁTICA X TEORIA
o que EMERGE x o que é SUBMERGIDO, afundado láaa embaixo para não ser visto (o elefante na sala)


e, porque não, outras dimensões que tivemos oportunidade de refletir dos texto

o senso comum X ciência ??

Acho que estou deixando as pontas soltas por aqui, tanto para serem retomadas no Estágio II, quanto para usá-las na formulação do meu problema de pesquisa.



Sobre os Poetas do Repente, uns versos, por eles próprios, tirado do vídeo "Poetas do Repente | Tecendo o Repente (TV Escola)" disponível no Youtube:

"Nossa poesia vem como flor na ventania.
Pra mim poesia e Deus nasceram no mesmo dia
Enquanto Deus existir
Existirá poesia"
[...]
"Poesia, uma das flores.
Que só Deus beija a corola.
Jóia que a mão não segura.
Se aprende sem escola.
Imagem que a gente amarra com dez cordas de viola.

Repente é uma coisa que se faz de pressa. Quer dizer que é 'de repente'.
Repente é momento, é espontaneidade, é reflexo.
Já se chama repente por ser feito de repente.
Repente é a pessoa "improvisar" com rapidez.
É a espontaneidade daquele momento que você tá construindo.
E vendo o que se diz sobre tecer o "Repente" acho que podemos deslocar as colocações para falar do lugar do improviso, no sentido que tentei colocar ao longo de trechos deste relatório:
"nossa poesia vem como flor na ventania"

"se aprende sem escola"
Também achei legal trazer definições que são dadas, ao longo desse vídeo-documentário, dadas por diversas pessoas, sobre o que seria o Repente.
"É a espontaneidade daquele momento que você tá construindo"
Achei bonito demais isso!! Dar aula incorporando o improviso (o que não quer dizer excluir a dimensão da preparação) acho que é justamente isso, é preservar e abraçar "a espontaneidade daquele momento que você tá construindo" - o que emerge daquela relação você e seus alunes.

[*Vou tentar descobrir, re-assistindo todo o documentário, o nome dos autores e autoras dessas frases. No momento inicial do vídeo, quando elas são citadas, não são dados os devidos créditos, que são feitos posteriormente. É necessário identificar, pela imagem, se trata-se da mesma pessoa que se pronunciou no começo do filme]


Eu não gosto do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

Eu aguento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
Eu respeito conveniências
Eu não ligo pra conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus tratos

Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

Eu aguento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu aguento até os caretas
E suas verdades perfeitas

O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

Eu aguento até os estetas
Eu não julgo competência
Eu não ligo pra etiqueta
Eu aplaudo rebeldias
Eu respeito tiranias
E compreendo piedades
Eu não condeno mentiras
Eu não condeno vaidades

O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Não, não gosto dos bons modos
Não gosto

Senhas - Adriana Calcanhotto
Diário de campo - estagiária
30/06/2021
08:00 - 08:50
Turmas 113 3 114

A aula começa e, enquanto os alunos e alunas entram em sala, Lucas puxa assunto com o grupo (ao longo das observações posteriores pude notar que este horário conta em média com aproximadamente 30 alunes). Uma das alunas relata que teve dificuldade em acordar porque passou a noite lendo um dos livros de uma série de livros chamado "A Seleção". A Rafaela, que é minha dupla do estágio se pronuncia e diz já ter lido esse livro. A aluna rapidamente se anima e pergunta qual era a personagem favorita da Rafaela, diz que achava que era uma determinada e, salvo engano, acerta [parte dos detalhes não tomei registro, mas me lembro].

Um aluno diz que está tendo dificuldade em entregar as atividades e que o sistema já fechou. Lucas aproveita e, nas palavras dele, explica "como resolver essa treta, esse B.O.". Após resolver essa questões burocráticas, inicia a aula recaptulando o que havia sido dito na aula anterior [ claro que, aqui, com a oportunidade de ser observadora de uma sala de aula, acabo por compará-la com as minhas que - como disse, surgiram do meu improviso, da minha própria observação como aluna, seja na sala Faculdade ou na Escola. Noto muitas coisas em comum, como esse momento quebra-gelo, conversas iniciais enquanto a turma chega e se concentra e, posteriormente, também parto sempre de um breve repasso do que foi dito na aula anterior]. A imagem inicial que se vê na tela é a da bandeira do Brasil, estavam falando na aula anterior, como pude perceber [a importância dessa recaptulação, rs] sobre o positivismo e os dizeres "ordem e progresso", como alguns alunos lembraram. Lucas diz que está trazendo - e enfatizando essa questão - justamente porque já viu essa questão cair no ENEM. Em seguida, faz algumas perguntas com o intuito de incitar a reflexão ("o que é a Sociologia", "como ela estuda", ou "o que ela estuda"). Após a pergunta: o silêncio. Mas depois sempre aparece um aluno. O silêncio constrange um pouco e logo alguém rompe ele. O aluno pede desculpa e pede que o professor repita a pergunta [lembro como essas perguntas me incomodavam no começo do Ensino Remoto. Mas assim como os pedidos para que ligassem as câmeras, foi algo que acabei abandonando]. Lucas com paciência responde, não se abala. Pouco em seguida exalta que os alunos conseguiram chegar à resposta. Noto que os modos de fazer são bem parecidos com os meus. Uma dessas práticas é ir tentando destrinchar as palavras com as alunas e alunos, ver o que elas nos oferecem de pista e, ao mesmo tempo, não dar nada por garantido [ a gente esquece quanto repertório e vocabulário já mobilizamos ao longo de uma vida, muito dele bem específico. Assim mesmo uma coisa que acreditamos evidente, merece ser checada, com frequência nos supreendemos]. O título do slide era "Métodos de análise sociológica da realidade social - Sociologia Clássica". Pergunta o que os alunos acham que é 'método' e o que eles definiriam como 'clássico'.

[Ao escrever estou lembrando de algo que escrevi para o recurso, de não subestimarmos os alunos na habilidade de criar exemplos e compreender o que colocamos. Que, na realidade, muitas vezes são eles a nos fornecerem nossos melhores exemplos, assim como são eles, muitas vezes que "provocam" uma boa aula. São as perguntas, as colocações, as inquietações e que nós, ao nos apropriarmos delas pouco a pouco, vamos tornando as aulas seguintes nas outras turmas cada vez melhores - lembrei, no recurso falei de como os alunes são responsáveis por nos "arrancar" exemplos. Talvez tenha sido assim. Talvez a primeira vez que o aluno deu esta aula começou a explicar o "método" como uma palavra posta, conhecida e, após a pergunta de uma aluna em uma aula incorporou isso em suas aulas, lembrando sempre que este era um termo que não poderia ser dado como garantido]

Ao tentar explicar o que é "clássico" um dos alunos fez referência ao que é antigo, do tempo. Outro aluno por sua vez fez referência ao que é essencial e usou o exemplo da cesta básica [ fiquei pensando em como os próprios exemplos em si são completamente diferentes de uma realidade para a outra. Com certeza este, por exemplo, não seria um exemplo que meus alunos, que falam a partir do contexto de uma escola particular muito elitizada fariam. E lembrei também de um dos podcasts da folha, o que fala de Paulo Freire e da importância de conhecermos nossos alunos e falarmos a partir do universos deles e delas, de suas referências, de mobilizar seus respectivos repertórios. E, agora que escrevo, vejo também a conexão com a fala do professor Gilson (que cito quando relato o congresso do ENESEB)].
"Temos que buscar uma educação da inutilidade"
Começo essa parte do relatório com uma das colocações finais da fala que mais me impactou no 7º ENESEB (Encontro Nacional de Ensino de Sociologia na Educação Básica), feita pelo professor Gilson Rodrigues Jr.(do IFRN), na mesa-redonda "Sociologia da diferença" (programação de sexta-feira, de 19h às 21h, 09 de julho).

O tema do Eneseb deste ano, organizado nesta edição pelos professores e professoras do Estado do Pará, era: "Os desafios do ensino da sociologia na educação básica: desigualdades, resistências e transformações".

A frase-convite do professor que reportei, feita ao final de sua fala sobre os desafios em se ensinar "sociologia da diferenças" às alunes do Ensino Médio, faz uma referência ao sentido de utilidade postulado por Ailton Krenak em seu livro "A vida não é útil". Assim, propõe justamente que se busque uma educação da inutilidade, em contraposição àquilo que seria considerado útil para a sociedade ocidental, que é o que é moderno, branco, eurocentrado. Aquilo que, para esta sociedade, é o que o merece ser cuidado e protegido. E, se ao se falar dessa utilidade parte-se destes preceitos, "o que deve ser buscado é justamente uma ruptura com este modelo e a construção de uma educação revolucionária, uma revolução para inutilidade nesses termos, daquilo que é contra-moderno, contra-hegemônico, contra-colonial, como dirá Antônio, Nêgo Bispo".

E já que partimos do final, refaço brevemente as reflexões trazidas pela fala do Professor Gilson Rodrigues que tem seu eixo central nas problemáticas de se ensinar "Sociologia da diferença" a partir de uma perspectiva que parte necessariamente de três autores clássicos (Marx, Durkheim, Weber), que são três, homens, brancos, europeus. Ao mesmo tempo em que provoca e trata da importância em se enegrecer as referências dentro do estudo e do ensino da Sociologia, cita Achille Mbembe e diz que "A ignorância e a indiferença é um privilegio dos poderosos" e não seria dado, aos não poderosos, a possiblidade de não saberem. Neste sentido reforça que é sim importante partir dos clássicos, desde que se reconheça e se entenda essa tensão. Como vencê-la? Em uma das respostas que lhe foram feitas responde "Podemos trabalhar com os clássicos, desde que a gente consiga dialogar com o cotidiano destes alunos e destas alunas!". E isto porque? Como Gilson coloca é impossível ensinar sociologia da diferença (e qualquer outra coisa, seja na Sociologia ou em outras disciplinas) se não se parte da diferença que está posta ali, na sala de aula. Assim como é impossível fazê-lo se não se parte da reflexão que os próprios autores e autores nos quais se baseia o nosso ensino não contemplam de maneira alguma essa diversidade. Como coloca "igualdade tem a ver com a universalidade, universalidade que assim como a modernidade, nunca coube ao meu povo". É somente dando conta da diversidade presente na sala de aula que o estudo da Sociologia e de todos os outros se faz possível [o que, é claro, compartilho profundamente]. Neste sentido, de ensinar os clássicos a partir das particularidades dos alunos e alunas, Gilson traz a importância de não subestimar as crianças (e adolescentes) e cita Sankofa sobre a importância de "não se olhar as crianças enquanto pessoas sem agências". Ao mesmo tempo, enfatiza que isso não basta, é necessário resgatar não apenas "novas epistemologias", mas resgatar "geopolíticas epistêmicas". E, não enfatiza, como o faz, mobilizando ao longo da construção de toda importantes teóricos como Anténor Firmin, Clóvis Moura, Abdias do Nascimento, Lelia Gonzalez, Sueli Carneiro, Carolina Maria de Jesus e outres. Ao tratar da dimensão "geopolítica", conecta-se assim com um aspecto importante que havia trazido no início, de que é impossível tratar dos marcadores sociais da diferença sem a dimensão da interseccionalidade. A dimensão geopolítica que Gilson coloca é uma dimensão que vejo muito esquecida (não acaso) nos debates que travamos aqui. Afinal, estamos nessa localidade hegemônica que é o próprio sudeste.

[ Essa foi uma dimensão que me chamou muita atenç˜ão no ENESEB, a de re-pensar esse nosso lugar, essa nossa prática/fazer acadêmico que, sob esse aspecto geopolítico não se enxerga muitas vezes como um lugar marcado. Isso vem à tona e fica evidente quando se participa de um Congresso realizado à partir do Estado do Pará e em uma mesa cujos palestrantes são do Rio Grande do Norte (Gilson Rodrigues), a outra palestrante Kamilla Sastre do Pará, assim como a mediadora Lilian Sales. Mas não apenas, isso também ficou evidente em outras mesas e nas apresentações culturais presentes na programação - como a Márcia Wayna Kambeba, indígena, poeta, geógrafa, ativista, professora. Fica evidente dos exemplos que são dados, dos símbolos mobilizados, de algumas expressões da linguagem. E porque chama a atenção? Talvez porque em grande parte do tempo passe despercebido, o que acontece justamente por talvez ainda estarmos tão centrados epistemologicamente nesta nossa região que é o sudeste - e também o sul].









3.5
Lucas completou confirmou os dois exemplo e, em tom bem humorado, disse que a Cesta Básica deles nem era tão básica assim, pois tinha frango, coisa que a cesta básica comum não tinha.

Depois começou a falar da relação entre indivíduo e sociedade. Perguntou no que os alunos pensavam quando falava em 'indivíduo' e disse que ele próprio sempre pensava nessa jargão próprio da polícia. "Mas você se considera um indvíduo?" - perguntou o Lucas. "Aí é complicado fessor, vou me considerar uma pessoa procurada pela polícia?"(várias risadas - n˜ão me lembro que tipo de risada, rs). Alguns comentários no chat "vou perguntar meu pai, kkkkk", "vou perguntar meu tio, kkkkk" disseram alguns alunes que, ao que pude entender, eram filhas/os ou sobrinhas/os de policiais.

A aula termina com a reflexão "é o indivíduo que cria a sociedade ou a sociedade que cria o indivíduo?". A aula termina com alguns "Tchau fessor, obrigada pela aula", "TMJ, fessor", "É noix"...


O silêncio constrangedor

O silêncio, não aquele sedutor e
envolvente,
mas aquele constrangedor e
angustiante
antes era momento
raro e evitável,
e aí....
veio a pandemia
veio o isolamento,
o trabalho de casa (para alguns) e as videoconferências
e
com elas
o
silêncio
não mais raro e evitável,
mas,
talvez,
por sua presença constante,
menos angustiante e constrangedor

alguém está falando
do outro lado da tela
e vem a pergunta,
o convite a participar e,
com esse convite, o:
si
lên
cio

é um silêncio jogo,
aquele jogo do sério, de quem ri primeiro e, aqui,
quem sustenta por mais tempo
o silêncio

É jogo em que, quem está com câmera desligada, leva vantagem.
Mas não há muita vantagem quando todes estão de telas pretas e avatares.

Mas sim, todas, todos e todes:
jogam!


Achei essa anotação em um dos cadernos que usava para fazer as anotações das aulas. Se não me engano foi relacionado com essa anotação e observações aqui ao lado...
[ Vou citar mais na íntegra essa última aula e farei uns comentários gerais em seguida. Acho que essa aula é interessante de ser citada, pois uma mesma aula foi percebida de maneira diferente entre os alunos do estágio I e estágio II, mas em ambos os casos foram alvo de reflexões interessantes em suas respectivas aulas como a professora Graziele mencionou]

30/06/21
09:00 - 09:50
Turmas: 311 e 312

A aula começa da mesma forma, com o Lucas tratando de algumas questões burocráticas enquanto as/os alunas/os entram. Informa que o prazo da avaliação foi prorrogado e, pouco depois, a supervisora entra na sala. Lucas nos apresenta [ o que talvez fosse necessário, pois apenas nós, além do Lucas, estávamos de câmera ligada. Ah, esqueci de mencionar algumas coisas. Em todas essas três aulas que participei Lucas mediu que me apresentasse. Disse que era aluna do estágio. Disse que cursava Ciências Sociais lá na UFMG e que para virarmos professoras e professoras assim como o Lucas tínhamos que fazer estágio. Disse que estava ali então para aprender com o Lucas e com eles e que estava à disposição para qualquer coisa em que pudesse ajudar. Optei por não dizer que eu também era professora. Achei que talvez fosse algo que deixasse os alunas e alunos menos à vontade. Sobre essa questão da entrega em campo também tiveram algumas trocas de mensagem que valessem ser citadas. Primeiramente antes de entrar em campo, na terça -feira anterior ao dia destas aula, portanto, entrei em contato com uma das alunas de Estágio II para me certificar que bastava apenas eu "aparecer na aula" ou se deveria efetuar algum contato prévio com o Lucas, se tinha algum dia em que seria melhor a minha participação, etc. Ela me disse que ele era bem tranquilo e orientou que bastava que entrássemos na aula. O único cuidado que reforçou foi para que tentássemos criar certa constância, pois os alunos se acostumam com nossa presença a acabam sentindo nossa falta - o que me pareceu muito pertinente. A outra mensagem foi uma dúvida enorme "ligar ou não ligar a câmera?". Fiquei em um dilema em relação a como a minha observação participante, a minha presença ali deveria se dar. Por um lado era importante que a minha presença estivesse marcada, até por uma questão ética, os alunos precisavam saber que tinha um "corpo estranho ali". Confesso que não me lembro o que fiz no primeiro horário, pois vi que a maioria dos demais estagiários estavam com a câmera desligada. Mas, se não me engano, entrei com a câmera ligada e após me apresentar para as/os alunas/os, desliguei a câmera, seguindo os demais. No segundo horário mandei mensagem para essa mesma aluna do estágio II perguntando se tinha alguma orientação sobre a câmera. Ela me disse que estavam tentando deixar as câmeras ligadas para ver se incentivava os próprios alunes a ligarem também e que o Lucas gostava muito quando participavam. Disse que só não havia ligado a câmera no primeiro horário por ser o primeiro horário e ela ainda estar "um caco", rs. Assim fiz e mantive minha câmera em todos os horários daí em diante. Foi também por isto que consegui ser bem mais detalhista nas anotações da primeira aula. Já nas demais, como disse, evitava fazer anotações demais e deixava para sistematizar-las depois]

[Na verdade, acabo de perceber que foi na aula seguinte, no terceiro horário, em que se deu a participação emblemática à qual me referi, então me permitirei um salto temporal, com qualquer retorno à esta aula se necessário for].
30/06/21
10:00 - 10:50
Turmas: 313 e 314 (turma mais esavaziada, em média 16 alunes, sendo que 6 éramos nós, estagiáries)

A aula segue a mesma temática aula anterior, que também se tratava de uma turma de 3º ano. Falavam de 'etnocentrismo' e 'relativismo cultural', dos processos de estranhamento e desnaturalização, importantes para a disciplina. Também se falou, em ambas as aulas, da diferença entre cultura entre cultura popular e cultura erudita. Achei interessante como todas as apresentações do Lucas trazem muitas imagens - inclusive isso não foi mencionado, mas as aulas contavam com o apoio de um material/apresentação produzido no Canva. Para falar desta dimensão da cultura erudita e popular uma das imagens foi a gravação do DVD Amarelo do Emicida, que Lucas conta aos alunos e alunas ter estado presente! Neste caso a imagem incitava à reflexão dos aluno por se tratar da apresentação musical do Emicida, que certamente não seria classificado como música erudita, com todas as críticas que a questão abarca, que se deu no espaço físico do teatro municipal de São Paulo, um local historicamente palco da cultura erudita do país. Lucas obviamente falava com animação por toda a subversão que a gravação daquele espetáculo ali, naquele espaço, operava. Também fez algumas reflexões a partir do contexto de Belo Horizonte, mais especificamente do encontro espacial entre Palácio das Artes e Feira Hippie. Um mesmo espaço e manifestações culturais tão distintas. Lucas perguntou se alguém ali já tinha entrado no palácio. Uma ou outra aluna sim, para assistir um espetáculo de dança. Lucas disse o quanto ele também sentia que aquele espaço não era convidativo, fazia parecer que nem todas as pessoas ali erma bem-vindas. Na turma de 09:00 às 09:50 a discussão rendeu mais e foi possível aprofundar na parte nova da matéria que era esta de cultura erudita e cultura popular. Já na segunda turma, esta a qual faço referência agora, a coisa correu mais lenta.

Como dito, a aula começou retomando os conceitos de etnocentrismo e relativismo cultural. Lucas perguntou se alunos se lembravam da leitura dos "Nacirema", que havia sido feita na aula anterior. Um dos alunos, que havia chegado um pouco depois ("Passa a visão fessor"), disse que lembrava "era sobre aquela tribo né, fessor? com os costumes todos estranhos". Daí em diante o aluno em questão, G., assumiu a palavra e foi desenvolvendo o raciocínio da aula. Para quem conhece a obra, foi possível ver que o aluno em quest˜ão apenas parcialmente à aula, ou talvez tenha saído antes, pois não se lembrava do "grande momento" em que se revela que aquele "povo estranho" são os próprios americanos. E seguiu falando o que, segundo ele, tratava-se de uma questão de respeito. E prosseguiu falando, dando exemplos pessoas. Esse foi um ponto que chamou a atenção em mim e, posteriormente fui descobrir, na Rafaela, minha dupla de estágio. Graziele comentou que isso também chamou a atenção dos alunos do Estágio II, que G. teria, dali em diante, monopolizado o espaço da sala de aula. Ele disse que "eu sou muito lero-lero, espero o outro falar", disse isso no sentido de não querer dar lição de moral, como muitos fazem, dizendo que determinadas condutas são aceitáveis e outras não. Dizia que era importante ouvir a todos, entender o ponto de vista deles e o que tem a dizer. Que se não fazemos parte de uma determinada minoria, não poderíamos falar por ela. "Quando você fica em silêncio, você não perde a razão"... Chegou a comentar alguma situação em que notava que determinadas pessoas o evitavam (não lembro se chegou a cita o fato de cruzarem a rua ao vê-lo) e depois disse que entende como, quando se tratam de mulheres, é normal que elas já pensem o pior, pois foram essas as experiências que tiveram [pelo que me lembro isso não foi dito em um mesmo contexto, a primeira situação que ele narra dá a sensação ser um episódio de racismo por ele sofrido. De fato, tanto eu como Rafaela tivemos a sensação que G. era uma pessoa que se reconhecia enquanto uma pessoa negra]. Disse que "tem postura" ao se referir a amigos que supostamente teriam sido machistas, que deu a real nesse amigo, mandou ele se desculpar e que não toleraria esse tipo de atitude. Quando a questão passou pelo machismo uma aluna também fez intervenções e narrou o caso dela. G. emendou rapidamente na fala da colega e já quis demonstrar como havia entendido o recado, como ela havia razão, etc. O que de fato chamava atenção era como G. emendava um assunto no outro, sempre pautado por suas experiências pessoais que, em certa medida, demonstravam seu valor. Gostei de escutar as reflexões dele. E, não apenas G. falava, como ia tentando retomar a matéria, digamos. Dizia algo parecido com 'então podemos dizer que isso que você falou é isso, né, fessor' e, após ter se passado quase um horário inteiro - Lucas conseguiu fazer poucas intervenções e em certa medida deixo o aluno se manifestar - ele, o aluno, conclui "então o que fica pra hoje acho que é isso, né, o respeito". Pessoalmente, como disse, achei bem interessante a participação dele. A inquietação que me ficou ao final, pois eu também gosto de incentivar ao máximo quando essas participações quando acontecem, foi sobre a necessidade de serem feitas certas pontuações, aprovando as colocações do aluno claro, pois foram bem-feitas, mas ao mesmo tempo delimitando bem o tema dá aula, amarrando em que medida os próprios exemplos que foram dados pelo aluno se conectam com a matéria (etnocentrismo e relativismo cultural, no caso). Mas ao mesmo tempo, entendo que nem sempre, enquanto professores, estamos 100% conectados a ponto de achar o timing correto dessas intervenções. Basta não estar muito bem no dia, ou com a cabeça em outro lugar que isso pode vir a atrapalhar. Além disso, nós não conhecemos G., mas Lucas sim. De modo geral ache interessante inclusive a postura de respeito do aluno com o professor, se via que o enxergava como autoridade no sentido positivo da palavra(será que existe esse sentido, não sei...mas devo ter feito essa escolha por um motivo). Ao mesmo tempo suas falas eram bem carregadas de coloquialidades e gírias, tudo bem marcado, muito mais que seus colegas.

Mas, algo que que também achei interessante, como já mencionei, foi o fato de os alunos do estágio II terem feito uma leitura diferente desse mesmo contexto. Que teriam achado G. monopolizador, enquanto para mim e Rafaela pareceu interessante o fato dele se sentir a vontade para falar. Já para mim, também pareceu que, em certa medida, ele queria se provar ali, provar que acessava aquelas discussões inclusive com exemplos pessoais que confirmavam não apenas sua compreensão, como sua prática, condizente com a ética que estava pregando ali. Conforme foi mencionado, no outro grupo teriam ressaltado certa incoerência, pois ele estaria falando de machismo, mas não teria deixado a colega falar direito. Não foi tanto a sensação que eu e Rafaela tivemos. Isso veio à tona também na oficina de palhaçaria, ocasião em que uma dessas alunas de estágio II utilizou como exemplo esse ocorrido. Ela destacou justamente a dimensão daquilo que ela teria visto como uma prática machista. É interessante pensar nessas diferentes leituras, inclusive para pensarmos a partir de uma chave mais interseccional. Talvez o fato de eu e Rafaela o termos enxergado como uma pessoa racializada colocou em uma perspectiva diferente a situação. Inclusive, a própria sensação que ele teria interrompido a colega, algo que para mim nem não pareceu um silenciamento, tampouco um atropelo ou monopolização do discurso. Me pareceu alguém que, naquele momento, estava chamando os holofotes para si, deliberamente decidido em prestar atenção na aula, estar presente e se fazer presente - inclusive com uma intensidade bem grande.

[A vontade é de mudar subitamente a problemática de pesquisa, começar a pesquisar sobre a importância dos limites que devem ser impostos à criatividade, temática que foi citada na última aula e, por motivos óbvios, me interessou demais! A ideia hoje era apenas concluir o trabalho. Estou desde há exatas 12 horas, desde as 6h da manhã sentada na mesma posição, tentando finalizar. O mesmo aconteceu ontem e quinta e segunda, dias que consegui me dedicar ao trabalho de maneira mais ativa.. um caso sério... Brincadeiras à parte, vamos à problemática de pesquisa, que deveria ter sido o primeiro tópico a ser rascunhado, o que não ocorreu. Assim, a provável queda na qualidade deste, que talvez seria um dos pontos centrais, fica desde já justificada, culpa desta falta de limites e desta certa exaustão física]
Acredito que, ao longo desse relatório, tenha conseguido dar o "tom" de por onde anda meu interesse e minhas reflexões
Inicialmente meus questionamentos partiram do ambiente de aprendizado presente nos espaços onde a música popular é aprendida, como essa é transmitida, muitas vezes não seguindo os processos e espaços formais de ensino. Me chama a atenção por se tratar de algo eficaz, algo que noto da minha própria experiência. É algo que vem aos poucos, processo que se sedimenta um pouco por vez, fruto da repetição, da escuta. É algo progressivo. É saber que se acumula. Na percussão de maneira particular isso é muito nítido. Podemos começar de instrumentos mais graves, que tocam menos notas. Começando acertando uma nota em cada compasso e isso já é tocar. Posteriormente conseguimos encaixar outra nota. E isso também já é tocar. Isso enche de ânimo, a tendência é cada vez mais escutar aquele tipo de música ao qual estamos nos dedicando. E, sem perceber, nossos ouvidos começam a desvendar vários segredos ali contidos. Segredos que foram possíveis de serem descobertos justamente porque já tínhamos acumulado, ou melhor introjetado, em nosso corpo, o momento preciso daquela uma nota. E assim se segue. Um sedimentar, um ritmar. Não foi à toa que usei essa palavra "ritmo" em algumas situações e, em outras, escolhi deliberadamente utilizá-las.
Acho que essa minhas reflexões partem de dois pontos. Tentarei delimitá-los a partir de algumas perguntas

PRIMEIRO: o que podem os espaços de aprendizado populares, não formais (saberes vernaculares como a colega Luiza definiu) nos ensinarem sobre o processo de aprendizado em si?

Incialmente tive dúvidas sobre como isso poderia ser útil ao ensino da Sociologia em si. Mas acho que minha inquietação passa muito por "como se aprende". E esse "como", esses "fazeres", estão ligados a uma dimensão prática. Dimensão esta que poderia, então, ser aplicada ao aprendizado DE qualquer coisa. Acho que isso vai ao encontro de um entendimento que o processo de ensino aprendizagem não é algo compartimentado, mas algo que coloca em movimento e faz vibrar todo o repertório que possuímos, seja a qual área do conhecimento pertencer. Tudo aquilo que possuímos é sacudido quando estamos em contato com algo novo, gera fricção, gera música. E essa música não será nunca a mesma, assim como o entendimento de um mesmo fenômeno nunca será o mesmo a partir de como o interpreta. Por mais que tentemos aparar as arestas, todo fenômeno de comunicação, como é a própria educação, nunca será algo fechado, um reprodução inequívoca, um processo replicável.
Assim - e, retomando para passar ao segundo ponto - parte-se de uma hipótese que o sucesso dessas formas de aprendizado popular, de saberes transmitidos pelas vias não formais, ocorre justamente por ser algo que se dá por vias práticas, que envolvem nossa corporeidade como um todo, assim como nossos saberes prévios. É nesse contexto que algo sempre escapa, sempre transborda. Pois, se depende das corporeidades, das subjetividades e dos saberes dessas pessoas postas ali em jogo, será algo sempre contingente, algo que emerge daquele momento, daquele encontro.


SEGUNDO: o que o improviso, o que emerge, próprio do encontro, pode potencializar nesse processo de aprendizagem?

E, como já colocado, como essas duas dimensões se encontram.
Já passando para a dimensão metodológica, há muito o que ser feito. As bibliografias que seriam de ajuda neste processo não chegaram a serem lidas, logo pouco se evoluiu nesse sentido (a própria formulação das questões acredito que não esteja muito clara). Assim ao invés explicitar os procedimentos metodológicos que pretendo seguir, ou os autores e conceitos que irei mobilizar, optarei por elaborar uma espécie de plano de ação:

1 - Colocar em dia a bibliografia sugerida e que me auxiliará neste processo de definir os conceitos que utilizarei, bem como a delimitar melhor minhas questões de pesquisa (enumero aqui os artigos sugeridos de
LAVE, Jean e INGOLD, Tim. Também me interessou ler sobre o trabalho da Fernanda Eugênio e o "And Lab", igualmente citados em sala pela professora Graziele);

2 - Me ocupar mais dos registros e da sistematização dos materiais (com frequência me deparo com um exemplo claro dessas questões que levantei, de algo que foi aprendido pela prática, seguindo o ritmo, pelo fazer continuado, pela sedimentação progressiva, entretando nem sempre tomo registro e as ideias e reflexões se perdem);

3 - Levantar outras referências bibliográficas que possam me auxiliar no processo;

4 - Participei, nos últimos dois anos, de diversos seminários com mestres e mestras da cultura popular mineira, brasileira e latina. Tomei registro de todos eles, gostaria de sistematizar esse material e ver o que ele pode me proporcionar de ideias e possíveis pontos de partida;

5- Durante o recesso da Faculdade participarei de uma sequência de workshops e seminários de tamboreras de diversos lugares da América latina, multiplicadoras dos saberes tradicionais, musicais e percussivos, de seus respectivos países e regiões. Pretendo dedicar uma atenção às metodologias aplicadas nestas oficinas, já com um olhar voltado para as inquietações aqui colocadas

6 - O cenário cultural e musical de Belo Horizonte é marcado por esse crescimento gigantesco do carnaval, dos blocos de ruas, das escolas de percussão e sopro não tradicionais, dentre outros; faço parte de alguns deles, tendo contato com diversos professores, professoras, regentes e pessoas que, como eu, se iniciaram na música em virtude desse movimento e dessas metodologias tão interessantes de transmissão dos saberes. Tenho um prato cheio nesse sentido para entrevistas e pesquisas. Pretendo iniciar a mapear e entrevistar essas pessoas possivelmente ainda no período das férias.